'Uma batalha após a outra' satiriza autoritarismo nos EUA com ação, destreza e culpa; g1 já viu
24/09/2025
(Foto: Reprodução) Uma obra-prima não precisa ser perfeita. "Uma batalha após a outra" é prova disso.
O cineasta-que-nunca-errou Paul Thomas Anderson ("Licorice Pizza") se alia pela primeira vez a Leonardo DiCaprio para entregar um dos melhores filmes do ano – como seria de se esperar da dupla.
A sátira certeira sobre autoritarismo nos Estados Unidos, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (25) já com grande embalo para o Oscar 2026, mistura humor, ação, acidez e debate social com a qualidade habitual do diretor, um dos melhores de sua geração.
Com uma fotografia, uma trilha sonora e um som que só conseguem ser superados pela atuação magistral de Sean Penn (talvez a melhor em uma carreira repleta de melhores), o filme peca mesmo pelo excesso.
Contaminado por uma possível culpa de Anderson, um autor branco americano que assina um roteiro sobre racismo e xenofobia, "Uma batalha após a outra" tem uma abordagem quase condescendente sobre temas delicados que careciam de um pouco mais de sutileza.
Assista ao trailer de 'Uma batalha após a outra'
Da rebeldia à sátira política
O filme é baseado bem livremente em "Vineland", livro publicado em 1990 por Thomas Pynchon – o diretor já tinha adaptado outra obra do escritor em "Vício inerente" (2014).
Nele, DiCaprio interpreta um ex-revolucionário atrapalhado, que precisa enfrentar um antigo inimigo (Penn) para salvar sua filha (Chase Infiniti), em uma versão fictícia – mas não muito – dos Estados Unidos dominada por um governo fascista.
Apesar de alguns breves saltos temporais, a história se concentra principalmente em um só dia e no confronto indireto entre os dois homens.
Enquanto um enfrenta toda a força do governo com um intelecto e um físico prejudicados por anos de consumo de drogas e álcool, o outro tenta amarrar pontas soltas para se juntar a uma sociedade secreta racista que dita os rumos do país.
A simplicidade da estrutura ajuda a manter a energia na maior parte do tempo para frente, um trunfo que impede que um filme de mais de duas horas e meia de duração fique cansativo.
Teyana Taylor e Sean Penn em cena de 'Uma batalha após a outra'
Divulgação
Vilão magnético e herói improvável
Não demora para que o público perceba a incapacidade do protagonista para lidar com os desafios da trama, apesar do bom coração. De forma curiosa, sua tenacidade diante da própria incompetência cria um herói amável e humano – mesmo com a ausência de grandes heroísmos.
Do outro lado, Penn produz um vilão ideal para a sátira do roteiro ao equilibrar determinação calculista, perversão psicológica e maneirismos ridículos o suficiente para um antagonista tão ameaçador quanto patético.
Seu magnetismo é tão grande que logo o espectador torce por mais cenas do ator – mesmo que sua presença provoque pouco mais do que repulsa.
As atuações da dupla, e do louvável elenco que ainda tem atuações marcantes da estreante Infiniti ("Acima de qualquer suspeita") e da cantora Teyana Taylor, são elevadas por uma fotografia precisa, uma edição de som poderosa e intensa e pela trilha sonora nervosa de Jonny Greenwood.
As notas constantes do guitarrista do Radiohead, que compõe para o cineasta em todos os seus filmes desde o seminal "Sangue Negro" (2007), são as principais responsáveis pela tensão de uma obra que equilibra angústia com leveza.
Leonardo DiCaprio e Benicio del Toro em cena de 'Uma batalha após a outra'
Divulgação
Mas vamos falar sobre idealização
O grande problema do filme, senão o único, demora para ser compreendido. Ao longo da história, é difícil ignorar o olhar quase condescendente que o roteiro tem sobre membros de minorias.
De forma isolada, certas decisões parecem inofensivas e até admiráveis, como a escalação de uma mulher preta (Taylor) como a líder destemida do grupo de revolucionários. Somadas, no entanto, as escolhas começam a soar forçadas.
Depois de um professor de karatê latino (Benicio del Toro) que salva imigrantes perseguidos e uma suposta freira preta (April Grace) que lidera noviças rebeldes (desculpa), por exemplo, quando um capanga nativo-americano faz cara de dúvida não é difícil prever sua inevitável redenção.
Daria para justificar tais opções como exagero caricato típico do gênero ou até reparação histórica. Todos sabemos o quanto Hollywood já amou usar todos os grupos acima como arquétipos negativos, malignos e vilanescos.
Mas, ao abusar para o outro lado da escala, minorias em "Uma batalha após a outra" são retratadas de forma idealizada – o que também está longe de ser ideal.
Regina Hall e April Grace em cena de 'Uma batalha após a outra'
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Arte/g1